No capítulo anterior...
- Joana fica admirada com a declaração de
amor de Célia
- Joana se diz confusa com relação a seus
sentimentos, mas assume seu interesse por uma garota
- Célia quer saber quem é essa garota, mas
Joana trata logo de despistá-la
- Joana fala das suas experiências frustradas
com os rapazes
- Célia diz que vai respeitar qualquer que
seja a sua decisão sobre elas
- Bernardo vai à psicóloga e revela
insatisfação com seu sexo e o desejo de se tornar mulher
CAP. 142
CACILDA: Virar
mulher? Baseado em quê você chegou a essa conclusão?
BERNARDO: Eu
nunca fui homem de verdade, aliás, nem sei o que é ser homem de verdade. Desde
pequeno todas as minhas afinidades sempre foram com o sexo feminino,
principalmente o jeito de falar, gesticular, de andar... Nunca fui bronco como
os garotos. E também nunca fui aceito no meio deles. Sempre fui a bichinha, a
pintosinha, aquela que eles nunca queriam por perto...
CACILDA: Mesmo?
Nem quando ela mais novinho?
BERNARDO: Nunca.
Só teve uma época em que eu era aceito no meio dos garotos: lá pelo nove ou dez
anos de idade, mas nessa época era diferente...
CACILDA: Diferente?
Como assim? Estou gostando de ouvir essas histórias.
BERNARDO: É
que eu servia a turma toda... Era a mulherzinha deles. Os garotos tinham muitas
revistas de mulheres peladas escondidas numa casa velha da vizinhança, então
eles viam aquelas coisas e como não tinha mulher pra fazer com eles, eu
fazia...
CACILDA: Ah...
Entendi. E você gostava de fazer esse papel?
BERNARDO: Sim,
eu gostava muito. Tinha uns que até me chamavam de minha gata, minha gostosa.
Eu achava aquilo o máximo. Só não gostava quando eles faziam alguma piadinha
perto dos meus irmãos, porque eles ficavam desconfiados e me enchiam de
perguntas. E eu não podia contar nada, claro. Teve uma vez que meu irmão Airton
até bateu num moleque lá, porque viu ele passando a mão na minha bunda.
CACILDA: E
depois, quando você cresceu, continuou brincando com esses garotos?
BERNARDO: Não.
A maioria deles arrumou namorada, não queria mais saber de mim. Criaram tipo
uma barreira. Nunca mais me procuraram, nunca mais tocaram no assunto, entende?
Depois também eu mudei de cidade, aí conheci outra turma, outra galera, e nada
mais foi como antes.
Cacilda se levanta, vai ao
frigobar e serve um suco.
CACILDA: Interessante
a sua história. Realmente muito interessante. E com as meninas como era a sua
relação?
BERNARDO: Ah,
sempre fomos muito amigas. Me dou superbem com as mulheres. Gosto de dar
palpite na roupa delas, na maquiagem, no cabelo... Elas me contam todos os
segredinhos dos garotos, eu também conto os meus... Algumas até me pedem
conselhos, me pedem pra dar recadinhos para os seus pretendentes... Nos damos
muito bem...
CACILDA: E
com os rapazes, como é a sua relação hoje? Você tem uma vida sexual ativa, um
relacionamento com alguém? Um príncipe encantando na sua vida?
BERNARDO: Então,
eu já transei com rapazes depois de adulto. Acho gostoso o namoro, o carinho...
O problema é que a maioria deles só quer saber de sexo. Eu sou diferente, gosto
de conhecer a pessoa primeiro, conversar algumas vezes antes de sair... E mesmo
quando a gente sai, tem de rolar um clima, uma sedução... Não gosto desse negócio
de “tira a roupa aí e vira”. Isso é muito mecânico. Eu gosto de me envolveu...
CACILDA: Você
gosta de ser conquistado...
BERNARDO: É.
É isso. Quem não gosta? Acho que tem de ter uma boa conversa, boas
preliminares, pra depois a coisa rolar gostoso...
CACILDA: E
namorado? Você tem?
BERNARDO: Não.
Já fui apaixonado por alguns vizinhos, colegas de escolas, amigos dos meus
irmãos e até por um namoradinho da minha irmã. Mas nunca rolou nada, claro! O
último carinho por quem fui interessado ficou lá em Recife. O nome dele é
Ramon. Éramos colegas de escola.
CACILDA: Mas
ele correspondia aos seus sentimentos? Sabia do seu interesse por ele?
BERNARDO: Nem
uma coisa nem outra. Saber ele sabia, porque a galera da classe vivia zoando a
gente. Uma vez ele até quis me bater. Mas depois a gente acabou se
reaproximando, ficando amigo. Eu até ajudei ele num momento de dificuldade, aí
ele passou a me tratar melhor. Problema foi que eu tive de mudar pra cá e ele
continuou lá em Recife...
CACILDA: Hum...
Do jeito que você fala, parece que gosta do rapaz até hoje... Seus olhos
brilharam quando começou a falar nele...
BERNARDO: Gostar
eu gosto, mas agora, com essa distância toda, acho que o único jeito vai ser
esquecer...
CACILDA: Bobagem...
Distância no mundo de hoje é uma coisa que não existe... Ou então, se tiver de
esquecê-lo, quem sabe você não encontra um príncipe brasiliense?
BERNARDO: É, pode ser...
Célia e Joana caminham para os
instantes finais do jantar.
CÉLIA: Foi
muito bom ter falado com você, desabafado, botado pra fora essas coisas que
estavam aqui, ó, entaladas na minha garganta.
JOANA: Também
gostei na nossa conversa.
CÉLIA: Curioso
é que você me surpreendeu positivamente.
JOANA: Como
assim?
CÉLIA: Você
me pareceu muito mais madura e receptiva do que eu imaginava. Isso é um bom
sinal.
JOANA: Sinal
de quê?
CÉLIA: Sinal
de que poderemos nos encontrar mais vezes. Nos conhecer melhor... Quem sabe
aprofundar a nossa relação. O que você acha disso?
Continua amanhã...
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Você sabia?
Seja
qual for o problema que leve a pessoa a procurar a psicoterapia, ainda há um
alto risco de viés antigay com clientes gays, lésbicas e bissexuais. Isto é,
existe a possibilidade de o profissional interpretar que os problemas
psicológicos do cliente advêm da orientação sexual ou identidade de gênero e
não de outros tantos fatores comuns às pessoas heterossexuais. A pesquisa
psicológica neste campo tem sido relevante para a luta contra atitudes e ações
homofóbicas e o movimento pelos direitos LGBT em geral.
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