8 de outubro de 2013

ENCONTRO DO SÉCULO - Cap. 15 e 16


No capítulo anterior...
- Beija reencontra o amigo Fortunato
- O boticário espalha a notícia de sua volta no arraial
- Um grupo de homens se aglomera para ver a chegada de Beija

CAP. 15

Beija entra garbosa em São Domingos e atrai a atenção de muitos, pouco acostumados a um cortejo daquele tamanho em suas ruas. Ela sorri e acena para o público, essencialmente masculino.

BEIJA: Nossa, que recepção... Não esperava tanta euforia assim no meu retorno. Estou me sentindo a rainha da França... (risos)
SEVERINA: A Sinhá ainda é muito querida aqui. Seu João, seu avô tinha grandes amizades nesse arraial.

Logo em frente a hospedaria a comitiva para, pois Beija avista Padre Aranha, o velho vigário que há conhecia desde os quatro anos de idade.

BEIJA (descendo da carroça com a ajuda de Moisés): Padre Aranha! Que surpresa agradável! Como é bom revê-lo! (tomando a bênção e beijando a mão do vigário).
PADRE ARANHA: Quanto tempo, minha filha! Também posso dizer a mesma coisa...
FORTUNATO (interferindo, sob o olhar de protesto do padre): Minha querida, como passou daquela hora?
BEIJA: Bem, Fortunato, mas muito melhor agora, revendo meus grandes amigos...
PADRE ARANHA: Fico tão feliz com a sua volta, filha... Confesso que rezei muito por isso.
BEIJA: Pois lhe confesso que, na verdade, não queria voltar... Preferia conhecer o Rio de Janeiro, a Corte, o mar... Mas acabei convencida. Agora estou aqui e é isso que importa.
FORTUNATO: E quando poderemos visitá-la na casa de seu avô?
PADRE ARANHA: Contenha-se, Fortunato, espere pelo menos que a coitada desfaça a mudança. Não vê a quantidade de bagagem (apontando os carros-de-boi).
FORTUNATO: E o senhor, vê se para de implicar comigo, velho vigário!
BEIJA: Meus queridos, pelo que vejo as rusgas de vocês continuam as mesmas... Mas não vão brigar por minha causa. Assim que organizar tudo, darei um jantar, coisa bem simples, apenas para os amigos mais próximos... Está bem assim?
FORTUNATO (esfregando as mãos): Boa, Beija. Boa idéia....

Após cumprimentar sumariamente mais alguns conhecidos, Beija embarca na carroça e segue. Mas um detalhe lhe chama a atenção: à medida que a caravana avança, percebe portas entreabertas se fechando. Algumas mulheres se escondem e outras até batem as portas.

BEIJA (surpresa): Sabia que tinha algo de errado quando vi apenas homens na porta da hospedaria...
SEVERINA: Não ligue, Sinhá, isso é cisma sua... Elas são ressabiadas assim mesmo... Mal vêem gente passando por aqui. Ainda mais uma caravana dessas...
BEIJA: Talvez você tenha razão... O povo de Paracatu é mais evoluído, o arraial é maior e tem mais movimento, por causa da Ouvidoria.

Nisso sua atenção é despertada por uma mulher que resmunga e em seguida bate a porta com violência.

CARMELA: Não sei o que essa meretriz veio fazer aqui! Deveria ter seguindo para as profundezas do inferno!

Severina e Beija se entreolham desapontadas...

TRÊS DIAS DEPOIS

No domingo pela manhã, Beija resolve assistir à missa das nove, como era de costume na sua infância. Apesar do esforço, acaba se atrasando e quando chega às escadarias da velha matriz, a missa está em andamento. Ela para na porta de entrada e Padre Aranha lhe acena, apontando lugares vagos na primeira fila. Imediatamente a cantoria é interrompida e todos se voltam para a entrada, deixando Beija constrangida.

BEIJA: Perdoe-me, Vigário, pelo atraso... (caminhando rápido e se assentando no lugar indicado, acompanhada por Severina).

A beata Idalina então se levanta, furiosa, e se posta na frente do Padre, para espanto de todos.

Continua...



No capítulo anterior...
Beija chega ao arraial e é saudada por muitos homens
Padre Aranha se alegra ao rever a discípula
As mulheres evitam a recém-chegada
Beija vai à missa e sua presença constrange os fiéis

CAP. 16

PADRE: Dona Idalina, eu pretendo continuar a missa...
IDALINA (interrompendo): Se é que vai haver missa, Padre Aranha! (fitando Beija com ira) Padre, me recuso a acreditar, eu e as senhoras do Araxá, que o senhor vai permitir a entrada dessa mundana na nossa igreja! O senhor sabe muito bem dos muitos pecados que essa rameira é acusada! Até de assassinato!
PADRE (alterado): Não diga sandices, dona Idalina! A igreja é do Senhor Jesus, um lugar público onde todos os filhos de Deus são bem vindos!
IDALINA: Até as meretrizes? As rameiras, as fregas? Olha como essa rapariga é abusada: ainda nos afronta colocando a negra sentada ao nosso lado, na primeira fila!

Muito envergonhada Beija se levanta e pensa em sair. O clima fica tenso e um zum-zum-zum ecoa pela capela.

BEIJA (humilde): Padre, posso me retirar se minha presença é motivo de tanto desconforto...
PADRE: Fique onde está, minha filha. A casa de Deus é de todos. E os incomodados que se retirem.
IDALINA (cortando): Então é assim agora, vigário? Os puros e santos têm de ceder seus lugares aos pecadores, imundos e fornicadores?
PADRE: Não estou dizendo isso. É a senhora que está me obrigando a tomar atitudes...
IDALINA: Pois bem, Padre Aranha! Se é assim, estou muito incomodada, sim! E prefiro me retirar. (virando-se para o público) Eu e todas as senhoras honestas desse arraial. (conclamando) Vamos, todas as verdadeiras Senhoras da Irmandade de Nossa Senhora da Abadia que me sigam!

Idalina sai da igreja, e aos poucos todos os presentes vão se retirando também. Alguns homens hesitam, mas são puxados pelos braços por suas mulheres. Por fim restam apenas Beija, Severina, o Padre e mais três prostitutas que estavam sentadas na última fila.

PADRE: Não se aflijam minhas filhas. Vou acabar de rezar a missa apenas para vocês.

Após a celebração, as prostitutas vêm até a frente beijar a mão do Padre.

BEIJA (sem graça): Obrigada meninas, pela companhia.
JOANA: Pra senhora ver, Dona Beija, o que a gente passa aqui...
CANDINHA: Se a senhora que é rica e importante tá passando por esse perrengue todo, imagina nós, que somos pobres e relegadas à sorte...
BEIJA: Que bobagem! Perante Deus somos todos iguais. O que importa é o nosso coração.

As moças se retiram. Padre Aranha, Beija e Severina caminham até a sacristia. A mulher forte e determinada não resiste e cai no choro, compulsivamente.

BEIJA: Ah, Padre! Eu sabia que seria difícil, mas não imaginava que seria tanto...
PADRE: Força, minha filha (abraçando-a forte) Você já venceu lutas maiores que esta. Força...
BEIJA: Que humilhação, Padre... Que humilhação, todos se retiraram da igreja por minha causa... Estou me sentindo um excremento... Nunca passei por isso na minha vida...
PADRE: Isso é passageiro, daqui uns dias elas se esquecem disso... Não chore minha querida, não chore. Deus vai te dar forças...
BEIJA: Ai que arrependimento de não ter ido para ao Rio de Janeiro. Lá pelo menos ninguém me conheceria... Não passaria por uma humilhação dessas... (enxugando as lágrimas)

Nisso Antonio Sampaio adentra o recinto.

ANTONIO: Padre eu vim aqui lhe (interrompe, atônito) Beija!

Continua amanhã...


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