No capítulo anterior...
- Severina tenta encorajar a patroa
- Beija se despede dos pobres e necessitados da Paróquia
- Numa encruzilhada a comitiva para e Beija terá de decidir: Rio de Janeiro ou Araxá?
CAP. 13
MOISÉS: E intão, Sinhá, pra onde vamo?
BEIJA
(respira fundo): Para São Domingos dos Arachás, Moisés. Foi lá que
cresci, e é lá que vou reconstruir minha vida. Padre Melo Franco tinha
razão: na Corte, sem a proteção de Motta, seria apenas mais uma.
(confiante) Em Araxá será diferente...
SEVERINA: Que bom que a Sinhá tenha tomado essa decisão.
BEIJA: Mas não pense que foi fácil... Eu tinha muitos planos para a Corte.
SEVERINA: Quem sabe um dia? A minha Sinhá pode tudo!
BEIJA (interrompendo): Toca, Moisés, antes que eu mude de idéia.
O escravo ordena aos carreiros que sigam em frente. Beija fixa seu olhar na estrada que conduz ao Rio de Janeiro e seu pensamento parece viajar longe... Severina percebe e abraça a patroa, apesar dos solavancos da carroça.
Poucos dias depois a comitiva se aproxima de Araxá. Do alto do morro do Lava-Pés já é possível avistar alguns telhados, ainda bem distantes...
BEIJA (empolgada): Ai que saudades do Araxá... Como é bom rever este lugar! (para Moisés) Quero que pare no riacho para tomarmos um bom banho e vestirmos roupas limpas. (para Severina) E você fará um belo penteado no meu cabelo. Não quero chegar ao arraial toda descabelada...
SEVERINA: Como é bom ver a Sinhá animada assim...
BEIJA: Como me disse Padre Melo, a vida continua. Seja o que for que nos aconteça, não podemos nos entregar.
Conforme o previsto, os carros e muares param nas margens do Ribeirão do Lava-Pés. Beija ordena que os homens sigam para uma área afastada rio abaixo e ali tomem seu banho.
BEIJA: E só voltem quando eu ordenar!
Severina ajuda a patroa a tirar o vestido e as anáguas. Beija se submerge, nua, e vem à tona, mostrando todo o esplendor de sua beleza aos 17 anos de idade. Severina ensaboa sua ama, que se delicia com o banho.
SEVERINA: A Sinhá parece um pato nessa água...
BEIJA:
Uma das coisas que mais sentia falta em Paracatu era das águas do
Araxá. Não sei explicar, mas essas águas têm algo de milagroso... Sentia
falta das águas do Barreiro, da lama...
SEVERINA: Agora a Sinhá terá tudo isso de volta.
BEIJA: Por mim ficaria nessa água o dia todo. Mas é melhor nos apressarmos, todos estão impacientes para chegarmos logo.
Uma hora e meia hora se passou e quando Severina ajuda Beija a se vestir, um estranho se aproxima, à cavalo.
SEVERINA: Sinhá, vem vindo alguém aí...
Continua...
No capítulo anterior...
- Beija decide seguir para Araxá
- A comitiva para num riacho para o banho
- Um estranho se aproxima a cavalo
CAP. 14
FORTUNATO (extasiado): Beija! Não pode ser! É você mesmo, minha querida?
BEIJA (se recompondo): Sim, Fortunato, sou eu mesma, em carne e osso. Como vai o nosso velho boticário?
FORTUNATO (apeando do cavalo, fazendo a corte): Melhor agora, revendo esta jóia de São Domingos dos Arachás...
BEIJA: Vejo que continua galante como sempre...
FORTUNATO: tem coisas que ainda não perdi nesses quase quarenta anos de vida... (pausa) Será que é certo o que estou pensado?
BEIJA: Sim, Fortunato, estou de volta a São Domingos dos Arachás. E dessa vez, para ficar.
FORTUNATO: Que notícia boa! E onde vai se hospedar, minha flor?
BEIJA: Por enquanto volto para a casa de meu avô. Pelo que saiba está desocupada e dona Gertrudes tem cuidado dela.
FORTUNATO:
É verdade, ninguém mais morou lá depois que seu João... (percebendo a
gafe) Ah... deixa pra lá... O importante é que você está de volta...
BEIJA: Sei que terei de conviver com muitas lembranças nessa volta. Algumas boas e outras terríveis. Mas estou preparada.
FORTUNATO (segurando Beija pelos ombros e alguns instantes admirando-a): Como está lindo o beija-flor, como está lindo! (se abraçam forte)
O boticário* segue para o arraial e vai direto à hospedaria, que é o ponto de encontro de todos os homens da cidade. Ali espalha a boa nova:
FORTUNATO: Beija voltou para Araxá! Vocês não vão acreditar: ela está de volta!
Quando a comitiva adentra as ruas poeirentas do arraial, um aglomerado de homens se acotovela na porta da hospedaria na expectativa de ver Beija. A curiosidade toma conta de todos.
BELEGARDE (o delegado): É verdade que ela está ainda mais linda?
FELÍCIO (capataz): Será que foi abandonada pelo Ouvidor?
COSTA PINTO (juiz): Por que motivo teria voltado a São Domingos?
VADO (capataz): Por que o Ouvidor não quis levar ela pra Corte?
DILERMANO (comerciante): Será que vai receber homens em sua residência como fazia em Paracatu?
TONICO, peão (malicioso): Será que vamo tê chance?
Continua amanhã...
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* Boticário é como eram chamados os farmacêuticos da época. O boticário também fazia as funções de médico.
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