2 de janeiro de 2010

Manoel Carlos conta como superou suas perdas e diz que novela não é só entretenimento

Tal como seus personagens em Viver a vida, Manoel Carlos também precisou superar vários momentos de dificuldade. Enfrentou as perdas de sua primeira mulher, Maria de Lourdes, e do filho Ricardo, além dos problemas de saúde na infância da filha Júlia Almeida, atriz, fruto de seu terceiro casamento. Ao escolher o tema superação para a novela, o autor quis mostrar que nem todos são felizes, mas devem buscar a felicidade. Diz que considera um desperdício escrever para mais de 50 milhões de pessoas pensando apenas em entretê-las. Pressionado por tetraplégicos a não fazer com que Luciana (Alinne Moraes) volte a andar, ele afirma que entende as razões deles, mas avisa que o final da personagem está em aberto.

Um novo ano está começando e todos sempre têm pedidos a fazer. Muitas vezes, só materiais. Você acha que ‘Viver a vida’ está sendo importante nesse sentido, de mostrar que há muito mais do que dinheiro e coisas físicas? Que saúde, paz, um fim de vida digno são importantíssimos?
Sem dúvida que essas foram as minhas principais motivações ao pensar em escrever Viver a vida. Mostrar quadros familiares conturbados pelas mais variadas dificuldades, mas onde todos os personagens envolvidos vão encontrar caminhos e razões para alcançar a superação dessas dificuldades. Tratar a felicidade de viver não apenas como uma aparência, mas como realidade. Mostrar que nem todos são alegres, mas todos devem viver em busca da felicidade. E que ela, muitas vezes, está mais próxima do que imaginamos.

Quando você escolheu o tema superação, depois de ler a história da jornalista que dá inspiração a Luciana (Alinne Moraes), o que veio à sua cabeça em termos de superação pessoal? A morte de seu filho, os problemas de saúde da Júlia (Almeida) quando criança?
Todos nós temos problemas que precisam e devem ser superados, até mesmo para continuarmos vivendo. Temos que acreditar que a vida vale a pena, mesmo com todas as dificuldades. Em 1972, perdi minha primeira mulher – mãe dos meus dois primeiros filhos – num acidente. Ela tinha apenas 36 anos. Foi um golpe duríssimo. Em 1988, perdi um desses dois filhos. Superei essas perdas e depois delas me casei outra vez, tive mais dois filhos e sigo vivendo. Os problemas da Júlia, quando criança, me abalaram muito, mas felizmente ela está aí, viva e feliz, trabalhando. E teve, mais do que eu, que superar inúmeros problemas.

Superação pode também rimar com resignação? Aceitar simplesmente a limitação já é uma forma de viver a vida?
Na resignação há muito de uma passividade, uma entrega, como se todos os males fossem inevitáveis. E que devemos encará-los de cabeça baixa e entre suspiros, dizendo “Deus quis assim”. Superação é outra coisa. É combater a dor e o luto. E isso só conseguimos, teimando em viver.

Muitas pessoas, com o mesmo problema da Luciana, estão escrevendo para você, pedindo que ela não volte a andar (para que seja mais verossímil). Mas você não acha que se ela voltasse a andar, mesmo que com dificuldades, muleta, andador, seria uma forma de mostrar que tudo na vida é possível, que o sonho pode ser realidade?
Penso assim também, mas os cadeirantes, que são os que cobram de mim essa verossimilhança, temem que se Luciana conseguir andar vai acabar levando uma falsa esperança aos que sofreram e sofrem das mesmas dificuldades que ela. Existem exemplos de pessoas que voltaram a andar, mas são raros. A novela, segundo eles, não deve falar para as exceções, mas para a maioria. E a grande maioria não volta a andar. Entendo as razões deles. Entendo e respeito. Mas a solução está em aberto, para eu resolver mais adiante. Ainda não chegamos à metade da história.

Você é católico, esteve em seminário. O que acha das pessoas que desistem, que pedem ou tentam deixar de viver? Luciana já quis morrer, Renata (Bárbara Paz) com sua anorexia também. De onde vem a força para lutar?
Todos nós vivemos uma situação de risco e muitas vezes sucumbimos por nossa própria vontade. Ou por não conseguirmos vencer o que nos parece inevitável. Eu, como todo mundo, já me entreguei a momentos de desespero, já pensei em desistir, em entregar os pontos, em jogar a toalha. E não posso garantir estar livre de novas ameaças de desesperança. Afinal, não tenho receita para superar problemas. Mas penso que acreditar que estamos destinados à felicidade, ajuda muito na superação das dificuldades da vida.

Você é famoso pelo merchandising social que envolvem temas importantes na sociedade. A novela vem ganhando cada vez mais função social? Além de entretenimento, ela deve ajudar a informar e fazer campanhas sociais e de saúde?
Sempre considerei um desperdício escrever para mais de 50 milhões de pessoas, pensando apenas em entretê-las. Isso me parece função dos programas de variedades e de auditório. Se ganho dinheiro promovendo em minhas novelas bens de consumo, por que não aproveitar a oportunidade e promover também a solidariedade?

O que é para você viver a vida?
É procurar vivê-la plenamente.

Finalmente, quais são seus planos para o ano que começa? O que pretende fazer depois que terminar a novela (além de um bom descanso, claro)? A ideia de se dedicar apenas a minisséries existe mesmo?
Sim, pretendo descansar em primeiro lugar. Viajar também, por um período. Quanto ao trabalho, ainda vou pensar. Deixar de fazer novelas longas e passar para projetos mais compactos, menos cansativos, é também minha intenção, ainda que eu goste de escrever novelas. Objetivamente, penso em escrever uma mininovela, por volta de 50 capítulos, inspirada num romance português, Vale Abraão – da escritora Agustina Bessa-Luís – que é uma transposição de Madame Bovary, de Flaubert, para uma província portuguesa contemporânea. Pretendo que esse seja o meu trabalho futuro. Para isso, pedi que a TV Globo comprasse os direitos da escritora, o que foi feito.

Fonte: JB On Line

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