Que a Record perdeu completamente de vista sua estratégia rumo à liderança, não é novidade para ninguém. A emissora, que investiu pesado em programação a partir de 2004, quando construiu um complexo de estúdios para a produção de novelas, se “livrou” de programas com o carimbo mais popularesco, reformou o departamento de jornalismo e ameaçou a líder Globo em alguns momentos, parece agora bem perdida sobre seu rumo. Isso graças a uma série de decisões erradas e imediatistas, que puseram a perder sua bela estratégia. Escalar a série CSI para sua faixa nobre, enquanto anuncia uma suspensão temporária de um de seus horários de novela são dois exemplos de que a emissora continua retrocedendo em seu caminho “rumo à liderança”.
Um dos principais fatores para a Record se encontrar tão perdida é sua insistência em tratar mal aquele que é diretamente responsável pelo seu sucesso ou fracasso: o telespectador. Telespectador que se viu acostumando-se a acompanhar novelas fora do terreno global na Record, que ofereceu uma série de bons folhetins. Isso graças à uma bem planejada mudança no núcleo de dramaturgia da rede, que foi responsável por produtos de gosto duvidoso como Tiro e Queda e Roda da Vida anos atrás. A Record construiu novos estúdios, trouxe bons autores e um elenco competente e, finalmente, conquistou o respeito do público como produtora de novelas de qualidade. Algumas delas com temática que dificilmente veríamos na Globo, como Vidas Opostas e Caminhos do Coração.
Mas a gana por números cada vez mais inflados levaram a direção da emissora a tomar medidas desesperadas, custando a paciência do espectador. Foram poucas as novelas da emissora que estrearam e encerraram-se no mesmo horário: a dança da grade foi ficando cada vez mais constante. São os números do Ibope que passaram a ditar as regras, fazendo programas serem esticados ou diminuídos ao sabor do vento. Foi assim que Caminhos do Coração passou de novela ousada e bem-sucedida à mico colossal com seu indiscriminado e irresponsável prolongamento. E foi assim que a primeira A Fazenda tomou toda a atenção da emissora, deixando as novelas Bela, a Feia e Poder Paralelo em horários cada vez mais esdrúxulos.
Bela, a Feia, que conta com texto seguro de Gisele Joras e uma produção impecável, pode não ter agradado por conta de seu tema batido, mas o descaso da emissora com a obra também colaborou com os baixos índices iniciais. Poder Paralelo, uma das melhores novelas já produzidas no RecNov, dançou mais que bailarina do Faustão na grade e hoje está no lugar da linha de shows, às 23h, também preterida em nome de A Fazenda. Ou seja, uma estratégia até então sólida de programação foi abandonada em razão de um programa datado, que começa, dá audiência, mas termina. Um erro primário, que mostra o quanto a emissora carece decisões maduras na construção de uma grade de programação decente.
O departamento de dramaturgia da Record ainda se mostra mais frágil agora que a emissora anunciou exibir apenas uma novela durante alguns meses. É inadmissível que uma emissora que busca tarimba como produtora de folhetins não consiga manter uma constante produção. Se Bela, a Feia estava no ar, não é óbvio que ela precisaria de uma substituta? Por que a demora em definir uma adaptação mexicana? Os textos estão à mão; não é só escolher? A Record, que gosta de se inspirar na Globo, devia aprender com a líder: Cama de Gato está no ar e já se sabe que Elizabeth Jhin e Walther Negrão serão os próximos autores das seis; às sete, Tempos Modernos mal começou e já se ouve falar de Ti Ti Ti, sua substituta; às nove, Silvio de Abreu, Gilberto Braga e Aguinaldo Silva já formam fila para a produção de seus próximos folhetins.
A incompetência foi tanta que o SBT, que andava capengando, conseguiu fazer barulho com um seriado americano. Sobrenatural devolveu a vice-liderança à TV de Silvio Santos e deu trabalho para a modorrenta e precoce segunda edição de A Fazenda e para Bela, a Feia. E isso fez com que a Record, que exibe seus principais programas cada vez mais tarde, aderisse à onda e escalasse CSI Las Vegas para concorrer com o enlatado concorrente e a novela da Globo que, mesmo longe de sua meta, ainda é líder absoluta de audiência. Nada contra CSI, que é uma excelente produção, mas alguém aí consegue imaginar uma emissora líder de audiência no Brasil exibindo série americana às 21h? No SBT, isso não é problema, já que ser líder no Ibope nunca foi meta da emissora, que sempre foi feliz em sua vice-liderança nos bons tempos. Mas para a Record, que pretendia passar a Globo em cinco anos (tempo esgotado!), isso não tem o menor cabimento. CSI consegue vencer o SBT, mas… e depois? Rumo à liderança? Retrocesso total!
Falta à Record uma direção artística de fato, que consiga compreender os erros e acertos da grade e que saiba tomar decisões que realmente agreguem qualidade, conteúdo e, consequentemente, audiência à programação. Ficar pendente de sucessos sazonais não leva ninguém à liderança. A Record tem dinheiro, estrutura, grandes profissionais na área técnica e artística e, portanto, todas as condições de ser uma grande rede de televisão. Mas enquanto a ansiedade e as medidas desesperadas continuarem, a emissora não vai muito longe.
Fonte: O Canal
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