19 de abril de 2010
Tim Burton transforma sonhos em coisas palpáveis em "Alice no País das Maravilhas":
Apesar de emprestar o nome, não é (adaptação de) Alice no País das Maravilhas, o livro de Lewis Carroll, de 1865. Ou de Alice Através do Espelho, a sequência de 1871. Tampouco acompanha a versão carne-e-osso-e-figurino-de-época da Alice da Disney, de 1951. Pois não é a Alice aos 7 anos. É a protagonista aos 20. E é como o diretor Tim Burton (Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet, Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas, Batman, Edward Mãos de Tesoura) enxerga o que seria o ingresso da menina à vida adulta.
Esses são os fatos, e é tudo o que você precisa saber para decidir se vale a pena ou não a ida ao cinema. Daqui até o penúltimo parágrafo você fica com a crítica, naturalmente subjetiva e interpretativa, e propositalmente dedo-dura dos tropeções do cineasta. Mas que fique claro que tentarei convencê-lo de que vale, sim, o dinheiro do ingresso.
Vale porque o passo adiante de uma história de sonho encharcado de surrealismo caiu nas mãos de um diretor exímio em colocar delírios nas telas de maneira quase palpável. Com Tim Burton, o Gato Risonho, o Coelho Branco, o Chapeleiro Maluco e os gêmeos Tweedle-Dee e Tweedle-Dum ficam quase ao alcance das mãos. Não pelo recurso 3D, que na hora e 44 minutos da película funcionam mais como pasta americana, daquelas que servem para dar enfeite apenas, do que como cereja ou chantili, tal qual em Avatar.
Vale porque Burton foi ousado a ponto de fugir do argumento primeiro de Lewis Carroll, que são os questionamentos da adolescência (eu avisei que colocaria minha interpretação no texto, hein?), e parte para a entrada de Alice na saída dessa fase e a percepção de que a maioria dessas interrogações a acompanhará pelo resto da vida.
O gatilho é a fuga da garota (interpretada pela australiana Mia Wasikowska), aos 19 anos, de um pedido de casamento em público por um lorde, posição tão valorizada à época quanto caricaturalmente estúpido é o personagem (falha de Burton). No devaneio de partida para seguir o Coelho Branco, ela cai no buraco onde as duas histórias (a de Carroll e a de Burton) se encontram.
As linhas de raciocínio voltam a se cruzar em diversos pontos do filme, como no crescer/diminuir de Alice, na conversa com a lagarta (para Burton, ela fuma narguilé), na refeição com o Chapeleiro e com o Coelho. E abrem caminhos e versões e situações paralelas em outras.
Para Burton, Alice não se lembra da primeira visita (aos 7 anos, de acordo com o original de Carroll) ao País das Maravilhas. Nem os moradores do País das Maravilhas têm certeza se é a mesma menina, o que se mostra um alinhavo fraco, já que pouco importa no resultado final.
Mas a dubiedade constrói uma diferença fundamental na versão 2010 – enquanto na obra original a personalidade de Alice é o próprio País das Maravilhas (Wonderland), com todos os arquétipos, nesta a rebeldia e postura contestatória da personagem são explícitas, o que leva Burton a mais um deslize de roteiro, a criação de um personagem fraco como a Rainha Branca (Anne Hathaway).
Com ela, irmã da Rainha de Copas (para Burton, Rainha Vermelha), fica instaurado o maniqueísmo e é colocado destinatário no envelope do longa-metragem: o espectador médio de blockbuster, que tem a satisfação saciada por esses confrontos de opostos.
Anne Hathaway (Noivas em Guerra) não extrai nada de seu polianesco personagem, enquanto Helena Bonham Carter (a bruxa Bellatrix Lestrange, da série Harry Potter, e também mulher de Burton) deita e rola com a cabeça desproporcionalmente gigantesca de sua Rainha Vermelha e seu bordão: “Off with his/her head” (“Arranquem-lhe a cabeça”).
Outro que estranhamente não tira proveito de um personagem bastante promissor é Johnny Depp (Inimigos Públicos), no papel do Chapeleiro Maluco. Usa sotaque caricatural como arma e sai de cena ao menos com uma dança tão descabida quanto desconcertante, que carimba que este realmente não é o mundo maravilhoso criado por Carroll.
O filme derrapa em sua cena mais intricada, quando é formada uma batalha entre os exércitos branco e vermelho. Se eu calçasse os sapatos de um criador de jogos, cifras saltariam aos meus olhos em 4D pelo potencial de transformação em videogame desta versão 2010.
Mas não visto nem esses sapatos nem o da crítica tradicional para a opinião final sobre a obra de Tim Burton. Pois todas essas brechas apontadas no texto são bolas quicando deliciosamente para que críticos resistam a montar opiniões demolidoras de Alice. No entanto, essas mesmas imperfeições dão crocância e um cheiro mais fresco de realidade ao fantástico do filme. E no final isso é o que importa, pois a função do cinema não é essa? Transformar sonhos em coisas palpáveis que te deixem satisfeito ao menos por hora e meia? Ponto de interrogação desnecessário, pois não é questionamento nem especulação - é fato.
Fonte: R7.
Texto: Luiz Pimentel.
Foto: Divulgação/Disney.
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